Caracteriza-se por hematêmese precedida por vómitos explosivos de material não-hemorrágico, a hemorragia originando-se em lacerações situadas na junção esofagogástrica e podendo exteriorizar-se também através de melena ou hematêmese associada à melena. Os vómitos enérgicos seguidos de hematêmese, em geral, aparecem de forma súbita em pacientes assintomáticos; contudo, sintomas como náusea, sensação de plenitude, desconforto abdominal, epigastralgia, azia, pirose, eructação e regurgitação podem manifestar-se previamente e, quando presentes, variar em sua apresentação, pois resultam de outras patologias esofagogástricas existentes antes das lesões traumáticas agudas características desta síndrome. Tais lacerações são longitudinais, com 3 a 20 milímetros de comprimento e 2 a 3 milímetros de largura, aprofundando-se na mucosa, submucosa e, não raramente, até nas camadas mais profundas da parte alta do estômago e extremidade distal do esófago. No mecanismo de produção dessas rupturas parciais, igual ao das perfurações espontâneas do esófago, ocorre um choque entre o esforço enérgico para vomitar e a resistência da cárdia e esófago fechados. A intensidade do sangramento, ou seja, sua velocidade e persistência, varia em função do calibre dos vasos atingidos por esta lesão, de natureza eminentemente aguda e traumática. Estudos estatísticos demonstram maior incidência em homens do que em mulheres, e também maior em adultos e velhos do que nos jovens. Revisões ultimamente publicadas assinalam sua associação com a ingestão prévia de álcool em cerca de 65% dos pacientes; o alcoolismo não é pois condição necessária para diagnosticá-la.
A presença de hérnia é assinalada como sendo uma condição predisponente. Identificada pela primeira vez por Quinche, em 1879, foi definitivamente reconhecida a partir de 1929, depois da histórica publicação de Mallory e Weiss, que constataram sua presença post-mortem em 4 de 15 pacientes falecidos por hematêmese de causa desconhecida. A síndrome passou a ter este nome porque tais autores foram os primeiros que correlacionaram hemorragia digestiva alta aguda com esforço violento para vomitar após uma exagerada ingestão de bebidas alcoólicas.
Publicações recentes, em todas as partes do mundo, evidenciam categoricamente sua alta incidência entre as causas mais frequentes de hematêmese. Daí sua actual importância clínica entre as doenças comuns do esófago e seu interesse prático para os gastroenterologistas.
Diagnóstico
A anamnese cuidadosa frequentemente sugere o diagnóstico de uma forma bastante confiável, autorizando o início imediato do tratamento clínico.
A radiologia não é método adequado para confirmar a presença de lacerações na junção esofagogástrica, sobretudo quando confrontada com a endoscopia. A esofagogastroduodenoscopia é recurso soberano e indispensável para se obter a certeza diagnóstico e é também necessária para excluir a possível presença de outras causas de hemorragia digestiva alta.
Salvo em situações dramáticas, quando a gravidade e persistência do sangramento coloquem em risco a vida do paciente e obriguem a considerar a necessidade de uma rápida intervenção cirúrgica, ou seja, nos casos pouco freqüentes em que a hemorragia não cessa de forma espontânea ou logo após a instituição de medidas clínicas classicamente recomendáveis, a endoscopia não deve ser indicada de forma instantânea, ritualística, massiva e indiscriminada, ou seja, simultaneamente com o início das hemorragias digestivas agudas. Toda hemorragia aguda no tubo digestivo configura inicialmente uma emergência, mais terapêutica do que diagnóstica; a tendência ansiosa, intempestiva e impulsiva, no sentido de se obter imediatamente uma endoscopia de urgência, não é razoável na grande maioria dos sangramentos agudos activos.
Na prática diária, a endoscopia de urgência, simultânea ao início do episódio hemorrágico, não é indispensável para o tratamento oportuno, enérgico e adequado de tais emergências, sobretudo quando se suspeita da síndrome de Mallory-Weiss ou de outras lesões agudas na mucosa, pois o início do tratamento independe da endoscopia imediata, cujo resultado, por sua vez, quase sempre não influi nas prescrições clínicas e no prognóstico.
Contrariamente a uma lógica mais aparente que real, a esofagogastroduodenoscopia é mais eficaz e valiosa quando realizada depois que o clínico tenha observado e ponderado a resposta inicial à terapêutica clínica, individualizada de acordo com as probabilidades diagnósticas e prognósticas de cada caso. Por isto, salvo nas situações excepcionalmente dramáticas já assinaladas, é preferível endoscopar os pacientes 24 a 48 horas depois do início do tratamento clínico iniciado logo após a exteriorização de hemorragia digestiva. Mas é oportuno ressaltar que não se deve extremar nesta conduta, adiando a endoscopia além deste período, pois as lesões agudas podem cicatrizar em poucos dias ou até em dezenas de horas. Entretanto, se a demora da endoscopia inviabilizar o diagnóstico de lesões mínimas e de pouca expressão clínica, o paciente não será prejudicado porque se curou rapidamente.
A possibilidade de um diagnóstico endoscópico equivocado ou incompleto aumenta quando o exame é efectuado urgentemente logo no início do episódio hemorrágico, pois múltiplos factores de erro incidem, isolada ou associada mente. Entre estes convém considerar: o médico assistente ansioso, sem um mínimo de tempo para obter dados e com eles raciocinar a fim de formular probabilidades diagnósticas; o endoscopista pressionado, muitas vezes sem condições ideais para a execução do exame; o doente com distúrbios hemodinâmicos, atemorizado ou agitado, sem adequadas condições físicas e psicológicas; o estômago com sangue vivo ou coágulos, não raramente também com restos alimentares e antiácidos.
A sensatez, sem qualquer radicalismo tendencioso, é útil e necessária na seleção racional e criteriosa da melhor oportunidade para a endoscopia, para bem individualizar cada situação, para uma conduta sem pressa ou precipitação no afã de diagnosticar, para não agredir a um enfermo já física e psicologicamente debilitado. A endoscopia programada – sem “urgências urgentíssimas”- é mais bem tolerada pelos pacientes que sofrem sangramento digestivo agudo e mais eficiente na busca da causa da hemorragia.
O diagnóstico da síndrome de Mallory-Weiss era feito raramente quando baseado apenas em estudos radiológicos, esofagoscopias com instrumentos rígidos, laparatomias exploradas e autópsias. Com o advento da moderna endoscopia, as lacerações características desta síndrome têm sido identificadas cada vez mais frequentemente, em todos os bons serviços de gastroenterologia; a acuidade diagnóstica varia entre 85 e 100% dos pacientes examinados por endoscopistas experientes e bem equipados.
O fator prognóstico decisivo nas hemorragias digestivas altas agudas, em alguns trabalhos com alto índice de mortalidade, parece estar mais directamente relacionado com a doença básica e não com o episódio hemorrágico. Só assim pode-se compreender por que diagnósticos precoces efectuados com o advento da moderna endoscopia aparentemente não melhoraram a sobrevida do paciente, em alguns estudos bem controlados. Futuramente, o que poderá melhorar realmente esta sobrevida é a endoscopia terapêutica, pois trata-se agora de um novo recurso terapêutico, útil no controle imediato das complicações hemorrágicas e não apenas ao seu diagnóstico.
Tratamento
O tratamento clínico enérgico, instituído imediatamente, com base em simples suposição diagnóstica, reduz drasticamente a necessidade de cirurgia correctiva na síndrome de Mallory-Weiss. Entretanto, quando o sangramento persiste, depois de volumosas transfusões de sangue, a operação deve ser indicada, e logo após a comprovação endoscópica das lacerações sangrentas. Nestes casos, a vacilação e a protelação pioram o prognóstico consideravelmente.
Os insucessos com o tratamento clínico variam de 0 a 14%, e a mortalidade cirúrgica, de 0 a 10%, nas últimas publicações disponíveis.
O balão de Sengstaken-Blakemore é de eficácia duvidosa em hemorragia de origem arterial e causa de significativa incidência de complicações. Relatos de experiência satisfatória com terapêutica endoscópica, uma opção para pacientes com alto risco cirúrgico, têm aparecido na Alemanha e Japão.
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